Pra expandir sobre o que falou, o conceito em questão é desobediência civil, um dos marcos humanistas da democracia liberal. O conceito é relativamente simples: realizar atos públicos de protesto em que são violadas leis injustas. Necessariamente, os protestadores são criminosos, mas a intenção é justamente mostrar que, mesmo assim, possuem a superioridade moral. Como todo mundo, desde criança, é ensinado a obedecer as leis sem questioná-las, o intuito é contrastar determinadas leis contra a imoralidade destas, de modo extremamente visível, para acordar a população.
O MST engaja-se em variações deste princípio. A tática clássica de invadir latifúndios produtivos, como ele disse, ancora-se no princípio de função social da propriedade, algo tão progressivo que eu acho estranho ter sido posto na constituição de 88. Invadir uma propriedade, ainda que improdutiva, certamente é um crime contra propriedade privada, já que o MST obviamente não tem autoridade legal para eles próprios desapropriarem terras, mas por outro lado, isso escancara o fato de que a vítima também é. Isso coloca a situação no que os gringos chamam de "gray area" (desconheço uma tradução direta), onde os invasores, apesar de serem tecnicamente criminosos, estão servindo o interesse público e ajudando a cumprir a constituição, sendo, portanto, uma forma de desobediência civil. A vara brasileira, includindo a mídia, está se lixando se o latifúndio é improdutivo ou não, eles querem é o fim do MST, por isso chamam eles de criminosos, terroristas, baderneiros e o escambau, mas isso é balela. Puni-los por essas invasões faria deles vítimas políticas, e a comunidade internacional, composta de Homens de Bem, ia chiar. Já a invasão de locais produtivos mas irregulares segue o mesmo raciocínio, só que é mais difícil de defender tanto legal quanto moralmente, pois apesar de servir o interesse público por denunciar crime, não está ancorada pela regra da função social, então o MST realiza atos desse tipo muito menos freqüentemente.
Você tem dados? Eu tinha ouvido falar que, antes do Fome Zero, ninguém fazia mais para aliviar a desnutrição no Brasil do que o MST, o que eu não duvido, mas nunca encontrei uma fonte com números.
Bons argumentos. Deixe-me apresentar minhas ressalvas.
Em termos de saúde, realmente, aumenta o risco de contaminação biológica, mas em compensação, não há risco de contaminação química. Plantações modernas então inundadas com agrotóxicos, e só Deus sabe qual o seu efeito. É um dilame igual ao de aditivos químicos na comídia, medicamentos e outros: quase todos os testes medem, no máximo, os efeitos ao organismo durante alguns poucos anos. Os efeitos a longo prazo, de uma vida inteiro exposta a algum dado produto químico, são dificílimos de medir, de modo estatisticamente significante, pois o intervalo maior de tempo implica em maior interferência de fatores externos nos resultados. Em contraste a isso, uma contaminação biológica é imediatamente perceptível. Medir qual dos dois métodos é o menos danoso é uma tarefa hercúlea, talvez até mesmo impossível. Vide o famoso livro Primavera Silenciosa, escrito na época em que se usavam pesticidas a torto e a direito.
E sobre os fertilizantes artificiais, infelizmente, estão longe de ser uma solução fácil. Primeiro, porque eles são feitos com recursos minerais, que são, obviamente, finitos. Segundo, porque eles alteram a microfauna e a composição química do solo, interferindo na absorção de nutrientes pela planta. Ironicamente, fertilizantes sintéticos podem fazer a planta crescer mais saudável, mas fazer dela um alimento menos saudável.
Quanto a ter de criar animais na fazenda, bem, qual o problema? Precisamos de carne, e os outros produtos – ovos, couro, leite etc. – também são ótimas fontes de alimento. A criação deles segue mais ou menos o mesmo dilema das plantas: a criação intensiva ou artificial aumenta a quantidade, mas arrisca a qualidade, e a criação natural – feita com metodologia moderna, é claro – é o oposto. Animais criados soltos provêm alimentos notavelmente melhores, mas em menor volume.
A maioria das pessoas não tem a menor idéia de quanto alimento vem da reforma agrária. Aliás, propagandear isso poderia fazer muita diferença na imagem do MST frente à população. Até hoje, só vi um produto que fazia isso, uma marca de leite em Santa Catarina. Tanto que nem sabia que existiam sacolões voltados para produtos do MST. Tem algum lugar que informe endereços desses lugares?